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terça-feira, 20 de setembro de 2016

A capacidade de estar só ou como lidar com a solidão



Estamos sempre em rede e afinal estamos quase sempre sozinhos.

Há dias li um comentário de uma amiga virtual que dizia que ninguém se devia fiar no número de amigos do facebook – o mesmo é dizer que o número de amigos do facebook não é indicador de uma rede de suporte consistente no mundo offline. Foi só um comentário que alguém deixou a alguém, mas para mim tocou numa questão sobre a qual tenho reflectido bastante e trocado impressões com os meus botões.

A verdade é que estamos na era do “ao alcance de um toque”, mas estamos cada vez mais sozinhos.

Quando comecei a minha relação, que passou a casamento e terminou em divórcio, estávamos ainda a anos-luz da realidade actual. Eu ainda tinha uma máquina de escrever em casa… Por amor de Deus! Depois passei para computador, mas sem internet e quando voltei a ficar solteira, muitos anos depois, o mundo tinha mudado – internet, facebook, instagram, twitter, touch, ipodes, ipads, iphones, chats – e nada mais seria igual.

“No meu tempo” não estávamos à distância de um toque, mas também não havia tantos mal entendidos: porque se está online, porque não se está online, porque não respondeu ainda à mensagem enviada, porque aceitou um pedido de amizade de x, porque enviou um pedido de amizade a y… Podia haver outros temas, mas estes não havia de certeza. Isso quer dizer que os desaguisados modernos são apenas frescuras dos tempos que se vivem? Frescuras ou não – não me parecem frescuras, porque quanto a mim este assunto é sério – são, sem dúvida fruto da era em que vivemos. E isso assusta um bocadinho…

Não sei se antigamente era melhor. Era sobretudo diferente e temos de pensar nisto para podermos agir, para podermos retirar o que de bom a vida online nos trouxe e tentar de alguma forma contornar os problemas que também nos trouxe. E são muitos, de facto.

Antigamente estávamos mais sozinhos…mas sentiamo-nos menos sós. Parece paradoxal, mas faz sentido, se pensarmos bem. Antigamente sabíamos esperar, sabíamos lidar com a espera, sabíamos lidar melhor com as frustrações, com a solidão, as rotinas e com a presença do outro, quando ela existia. Podíamos passar mais tempo sozinhos, mas as relações eram mais vividas presencialmente. Agora está-se quase sempre presente na vida do outro, mas efectivamente isto é um engano, uma ilusão.

Fala-se muito da falta de toque, do viver por trás do ecrã, de coleccionar relações em relativamente às quais não nos entregamos totalmente, tudo para explicar as grandes neuroses dos tempos em que vivemos

Eu vejo a vida actual de uma forma um pouco diferente.

Vê-se mais, exige-se mais, controla-se mais… e não sabemos lidar ainda com isso. Estamos mais contactáveis, o que pode ser bom, mas isso é válido para todos, o que leva a mais ciúmes, mais controle, mais obsessões, mais depressões…porque percebemos que no fundo não controlamos praticamente nada e a vida escorre-nos por entre os dedos. A verdade é que nunca controlámos, mas antigamente não tínhamos tanta percepção disso quanto agora. Não conseguíamos chegar ao outro tão facilmente, ele não estava tão acessível, mas também não estava acessível a ninguém, quanto muito aos colegas de trabalho – as infidelidades estavam quase todas associadas ao trabalho e agora há um sem número de novas possibilidades. Agora, as pessoas estão acessíveis praticamente 24 horas por dia e chegam em segundos a qualquer parte do mundo.

Já li artigos que referem que agora somos todos mais fracos, que nos escondemos atrás dos écrans, que os laços criados não têm consistência e que podem ser facilmente desatáveis, mas, no meu ponto de vista, somos todos mais fortes para conseguir sobreviver nesta enorme selva tecnológica, em que a segunda pergunta, depois do “Como é que te chamas” é “Tens facebook?”.

Temos de ser fortes porque temos de confiar mais no outro, na relação e em nós próprios. Temos de trabalhar cada vez mais a capacidade de estar sós, quando o outro está mesmo “ali ao lado”. Tem de se confiar que, mesmo com tantas mudanças a acontecerem simultaneamente, nada vai mudar irremediavelmente no minuto a seguir. Temos de ter essa segurança. As pessoas ainda gostam uma das outras à boa maneira de outros tempos e temos de acreditar piamente nisso.

O bicho papão é a solidão que sentimos e os aliados da solidão são vários, principalmente o medo de sermos trocados, de não sermos suficientemente bons para mantermos uma relação que perdure no tempo, o medo de não conseguirmos preencher o vazio que sentimos e de não termos resposta para tantas dúvidas que nunca poderão ser respondidas. E se a solidão é o bicho papão e o medo o seu grande aliado, o antídoto está no salto de fé que temos de dar. Temos de acreditar, continuar a acreditar, não parar de acreditar. Mas acreditar no quê? Na integridade, na verdade, na bondade das pessoas, na solidariedade, na capacidade de amar os outros e sobretudo a nós mesmos, na capacidade de aceitarmos que não somos donos de nada nem de ninguém, de que ninguém verdadeiramente nos pertence, na capacidade de aceitarmos que a vida é feita de escolhas, de escolhermos parar de nos sentirmos ameaçados, na capacidade de pararmos de controlar o outro, de sabermos esperar, de aprendermos a desligar.

Quando decidirmos lutar por nós, vamos treinar a possibilidade de desligar, de relativizar, de sermos mais calmos em relação ao que nos rodeia, às pessoas, coisas e circunstâncias, fortalecemos o amor-próprio e a capacidade de estarmos sós. Aprender a desligar na era dos mil olhos abertos dia e noite parece uma inconsistência, mas talvez o caminho seja mesmo por aqui. Só podes estar verdadeiramente conectado a alguém, criar laços consistentes, se aprenderes a desligar.

Back to basics. Ah pois é! Achas que consegues?



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