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quinta-feira, 2 de julho de 2020

Os casais, as férias, a importância e o impacto da terapia e ainda o segredo dos casais felizes




(entrevista tripartida concedida a Júlia Pinheiro)



  1. Existem estudos que apontam um aumento da taxa de divórcio após um período de férias. De acordo com a sua experiência, concorda?
    Porquê? Quais as razões?
  2. Na Dinamarca, segundo publicado recentemente, os casais que se pretendem separar serão obrigados a esperar pelo menos 3 meses e a frequentarem terapias de casal.
“Trata-se de reduzir os danos humanos e financeiros do divórcio, justifica Gert Martin Hald, psicólogo e professor de saúde pública da Universidade de Copenhaga, que ajudou a conceber as sessões de terapia obrigatórias”, cita um artigo da Visão.
Isto faz-lhe sentido? Faria parte de uma equipa como esta, em Portugal?
  1. Quais as grandes mais-valias da terapia – o que fazemos na terapia que não conseguimos fazer, em casal, em casa?
  2. Este projeto da Dinamarca visa diminuir o custo económico dos divórcios. Além deste custo, psicólogos dizem que o divórcio é dos momentos mais stressantes da vida. Concorda?
  3. Pode contar-nos um caso que tenha acompanhado e que tenha superado a sua crise com terapia? Pode apresentar-nos o casal, contando alguns detalhes – protegendo a privacidade, claro.
  4. Qual é o segredo dos casais felizes?



1 - Faz sentido, sim! Por um lado, olhamos para as férias ou para o período pós-férias como o início de um novo ciclo, dado que a nossa vida e a dos nossos filhos é mais marcada pelo ano escolar do que pelo ano civil.  Setembro é como se se tratasse, de facto, de uma nova fase, de um novo re-começo. Daí que apareçam nesta altura mais pedidos de divórcio e também, simultaneamente, mais pedidos de terapia de casal.
Há ainda uma outra questão a ter em conta. As férias, apesar de tão desejadas, acabam por ser uma altura de crise, em muito devida ao tempo que o casal passa junto, situação que normalmente não é habitual. Embora nos queixemos sempre que os empregos nos consomem, a verdade é que o trabalho é um escape para os problemas familiares, que ficam ali em standby durante muito tempo, ou seja, numa espécie de adormecimento, que as férias faz despertar. O casal, tanto enquanto par conjugal, como enquanto par parental, não está, na maioria das vezes, habituado a gerir esse tempo, o que pode realçar as dificuldades comunicacionais e as dinâmicas empobrecidas em que vive como casal e como família.
Conheço casais, dentro e fora do âmbito terapêutico, que desabafam a sua contrariedade de não terem internet nas férias. Falta-lhes a hipótese de triangular com o que lhes é habitual: trabalho, televisão, telemóvel, etc., - e assim este tempo que deveria ser feliz, porque devia fortalecer laços é, por vezes, sentido como uma grande dor de cabeça. Há mais tempo livre e muitas vezes não sabemos o que fazer com o tempo que temos.

2 – Parece-me importante a intervenção antes do divórcio, mas o que eu gostava mesmo de integrar era uma equipa de prevenção e não de intervenção. Não temos por hábito trabalhar antes de o “mal estar feito” e ganharíamos muito com isso. Um processo de ajuda com jovens ou menos jovens que decidem casar, ou seja, um projeto pré-nupcial, não seria mais proveitoso e, aí sim, com menos gastos, a nível económico e menos perturbações a nível da saúde mental? Aprender a viver com alguém não é fácil e só se procura ajuda quando já é muito difícil alterar padrões comportamentais, quando o amor se desgastou, quando as formas de pensar rigidificaram. Esse projeto da Dinamarca parece-me mais uma espécie de terapia do divórcio ou mediação familiar, para que haja mais divórcios por mútuo consentimento, para que o casal se consiga separar o mais amigavelmente possível e de forma mais resiliente, o que também é fundamental.

3-Na terapia há alguém a mediar, há alguém que tem um olhar mais neutro, menos enviesado e sobrecarregado sobre as vivências do casal. É como se fosse sangue fresco. Esse alguém vê de fora e consegue, por isso, ter uma visão mais sistémica das dificuldades e potencialidades do casal. Para além disso, se  casal é o perito na sua vida, o terapeuta é o perito no processo terapêutico e sabe como questionar, como desafiar e como pôr  a pensar; sabe como pedir algumas mudanças. Em terapia, lado a lado com um terapeuta, o casal muitas vezes aceita tarefas, fora ou dentro da sala de consulta, o que em casa e “per si” não fariam, fosse por teimosia ou por acharem que não eram capazes ou que não lhes fazia sentido. O facto de estarem perante alguém que eles consideram um especialista, ajuda muito no processo terapêutico.

4- Sim, sem dúvida. Um divórcio é um dos grandes momentos de crise do casal. São planos de vida, muitos projetos que chegam ao fim. Todos os envolvidos sentem que falharam e é preciso trabalhar muito bem a questão das responsabilidades partilhadas, da auto-imagem, da auto-estima, das dependências, das redes de suporte…
Já agora gostaria de dizer que casar ou ter filhos, por exemplo, constituem também momentos muito stressantes. A crise está associada ao stress que esses momentos, essas etapas acarretam. São, sem dúvida, mudanças grandes, para um estádio diferente. Muitas vezes só associamos o stress a uma carga negativa, mas há muitas crises, ditas positivas, que mexem muito connosco, porque mudar dói, aflige-nos, põe-nos em causa enquanto seres humanos, cônjuges ou pais. Mesmo que essa mudança seja muito desejada.
Agora vamos imaginar o que é mudar para algo que não queremos. Há casais que ficam paralisados nessa dor e não conseguem avançar. E, por vezes, com medo da mudança não se separam, mas também não procuram ajuda para que ainda possam continuar juntos. Assim, a vida anda sem andar, muda-se sem mudar e, é claro, que isto não é uma solução.

5– São várias histórias, várias vidas que já me passaram pelas mãos e que tive a honra de poder ajudar. Fica difícil escolher só uma.
Há situações, como a da infidelidade, que são  muito difíceis de gerir. Tem de haver uma enorme vontade da parte de ambos de ficarem juntos, uma enorme vontade de perdoar e seguir em frente, sendo o amor o que os liga e não desejos de vingança ou o medo de ficar sozinhos. É preciso trabalhar a confiança, restaurar a confiança, pôr uma grande ênfase no compromisso (tal como a terapia em que os alcoólicos se comprometem a não beber). É preciso praticar o letting go. Não é esquecer, é assumir que se quer continuar um projeto de vida e que o que aconteceu não pode servir como arma de arremesso.
Quem é traído sofre horrores, mas, paradoxalmente, passa a ter um poder na relação que não tinha até aí. Todas as brigas vão parar a essa traição, tenham ou não tenha a ver com isso. Mas, este poder tem de ser re-equilibrado.
É certo que a maioria dos casais procura terapia praticamente logo que descobrem a traição. Contudo, lembro-me de um casal que só iniciou a terapia 15 anos depois do episódio de traição. O pé de chumbo do passado não os deixava seguir em frente, impedia-os de serem felizes. E cada vez que havia um problema sobre quem fazia as compras para a casa, sobre quem levava o lixo à rua, rapidamente entravam numa escalada que ia parar ao que tinha acontecido 15 anos antes, que nunca tinha sido realmente ultrapassado. Foi preciso algum tempo para que falassem durante a sessão, ventilassem todos os sentimentos, até que se chegou ao perdão e ao compromisso de deixar o passado no passado. Foi preciso focalizarmo-nos no presente e no futuro. Aprenderam que discutir podia ser saudável, desde que aprendessem a discutir de forma justa, onde um dos pontos essenciais era restringirem-se ao assunto da discussão, mesmo que tivessem muita vontade de ir buscar o que tinha ficado lá atrás.

Lembro-me ainda de outra história, em que o casal estava por um fio devido à intromissão das famílias de origem. Muitas vezes esquecemo-nos que quando casamos, não casamos apenas com aquela pessoa, mas com a sua família também. São novos laços que se criam, muitas vezes de uma forma quase instantânea.
A relação entre sogra e nora realmente perturbava a relação do casal. Havia um marido, que ao mesmo tempo era filho e permitia que a mãe interferisse em demasia na relação conjugal. Foi muito importante trabalharmos limites,  construirmos um nós conjugal e trabalharmos as lealdades divididas – este senhor sentia que se defendesse a esposa estava a ser “infiel” à mãe. Era preciso criar então o tal modelo de conjugalidade. O casal teria de ceder um pouco o seu espaço e abrir-se à entrada dos sogros na sua vida, mas também fechar-se, em certos momentos, como uma ostra, para que pudesse ter as suas regras e o seu próprio tempo apenas a dois.
Usámos uma ferramenta muito útil que foi o genograma, que é uma espécie de mapa, um utensílio visual que permite ver o lugar de cada um na família e as relações que se estão a estabelecer, que podem reforçar ou prejudicar a conjugalidade. Este genograma foi feito com o casal e só de o fazerem e visualizaram tiveram logo uma imagem muito mais clara do que estava a acontecer. De facto, relações presentes e passadas afetam sem dúvida a forma como o casal vive a sua conjugalidade.
Perceber o que se passava estava percebido, mas agora era preciso passar à ação e sem mudança de comportamento não haveria uma verdadeira mudança. Um momento chave do processo terapêutico foi quando os sogros foram convidados a participar numa sessão. Com a ajuda do terapeuta conseguiu falar-se de fronteiras, limites, de espaço, de áreas comuns e de áreas afetas apenas ao casal. Foi importante mostrar que algum distanciamento era necessário e não significava falta de amor ou de respeito pelos pais. Os próprios sogros falaram da relação que tiveram com os seus sogros. Muitas vezes focamo-nos em algo particular e esquecemo-nos de ver o quadro geral. Levaram como metáfora que o cordão umbilical é preciso ser cortado várias vezes ao longo da vida, mas que nenhum amor substitui outro.

6- Quem me dera que houvesse uma fórmula mágica para fazer os casais felizes. Ou quem me dera que fosse assim tão simples. Mas esta questão, quanto a mim, é mesmo uma faca de dois gumes. Quando começamos, enquanto terapeutas, a achar que os casos ou os clientes são todos iguais, ou que a fórmula de resolver os seus problemas é idêntica, deixamos de ser os terapeutas que poderíamos ser. Deixamos de ouvir as pessoas com curiosidade genuína, como se cada caso fosse, de facto, único. E quanto a mim é isto que deve passar cá para fora: cada caso é único, com as suas particularidades, diferenças e idiossincrasias. E neste caso tenho de dizer que não há uma fórmula mágica.
Agora, há, de facto, algumas dicas que podem ser seguidas, que podem ajudar a que os casais não cheguem ao ponto de rutura, que é como muitas vezes chegam quando vêm pedir ajuda.
Começo por dizer que, muitas vezes, são mais saudáveis os casais que discutem do que os que não discutem. Calma, discutir não é gritar, não é ofender, nem magoar, não é fazer drama. Mas, de facto, há casais que não discutem porque têm um medo enorme da perda de controlo. Vivem sob o mito de que casais felizes não discutem, estão sempre de acordo, o que leva a uma espécie de autofagia. As discussões são engolidas, os descontentamentos são engolidos e isso pode gerar problemas psicossomáticos ou, quando estoirar, levar mesmo ao fim da relação. É preciso discutir sobre nós, sobre objetivos de vida, sobre planos, sobre prioridades e, inclusivamente sobre quem faz o quê em casa. Sem discutir instala-se um vazio que à primeira vista parece ser confortável, mas que corrói por dentro. Não discutir com medo da rutura, infelizmente leva muitas vezes a essa mesma rutura.
Por outro lado, quando discutimos estamos a dizer ao outro “Tu estás errado. Ouve o que tenho para te dizer, vais mudar de ideias”. Isto significa que ainda nos preocupamos com o outro, com o que ele pensa, sente e diz. O silêncio é uma das mais perturbadoras distorções da comunicação humana. É olhar para o outro e não o ver, é como se se passasse a mensagem “Já não quero saber o que pensas; já não significas nada para mim”.
Portanto, um casal mais feliz é o que fala, o que discute ideias, que comunica, que não fala só de conteúdos, mas da própria relação, que tem tempo para se ouvir, que arranja tempo para o “nós”.
Os casamentos dão luta, têm de ser alimentados e trabalhados. Já tive alunos meus, futuros psicólogos, que diziam que se dá trabalho é porque não é o tal. A esses peço desculpa de tirar toda a visão romantizada dos casamentos e das relações, mas qualquer relação importante na nossa vida dá trabalho. Nada que nos acontece é um dado adquirido e muitas vezes, só depois de algum tempo com determinada pessoa, a vemos tal como é.
Numa relação têm de haver cedências, equilíbrios, limites, empatia, tem de haver espaço para o nós, ou seja, para o casal enquanto entidade, mas também para cada um dos elementos do casal, porque têm personalidades distintas e porque devem ter uma vida para além do nós. Também há casais, por estranho que possa parecer, que estão juntos e nunca construíram o nós conjugal. Têm amigos diferentes, hobbies diferentes e não há nada que gostem de fazer juntos. Haver espaço para o eu, o tu e o nós é, a meu ver, um bom prognóstico para um final feliz.
E tanto haveria para dizer! Eu aconselho sempre a qualquer casal que se riam um com o outro. Casais mais felizes são os que riem juntos. Façam surpresas, arranjem tempo e relativizem as discussões – pensem sempre que num casamento, se um perde, ambos perdem.
Experimentem a fazer um círculo, uma espécie de pizza com várias fatias. O tamanho da fatia é o tempo “gasto” naquela relação: trabalho, filhos, amigos, comunidade, cônjuge. Qual é a fatia mais pequena de todas? Muitas vezes ficamos surpreendidos quando percebemos que é com a nossa cara metade  que passamos menos tempo, do dia, da semana, do mês. E  pior ainda, muito desse tempo serve para falar das questões do dia a dia, do dinheiro, dos filhos…e não sobre si, enquanto casal. No tempo de namoro havia bilhetes e mensagens e surpresas…para onde é que isso foi?
Aproveitem as férias para colocarem em prática algumas destas sugestões. Quem sabe se este passar mais tempo juntos não poderá ter agora outro sabor? Quer ter sempre razão ou ser feliz? É a pergunta que lhe deixo em jeito de despedida.









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