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domingo, 23 de outubro de 2016

A difícil arte de começar de novo – parte I


Um dos pilares de apoio ou sustentação do ser humano é a relação que ele mantém com os outros. De facto, não fomos feitos para ficar sozinhos e quando acontece uma separação temos uma necessidade vital de fugir do vazio que se instalou bem dentro de nós e que não foi apenas causado pela ausência daquele com quem partilhámos a vida, mas por todos os sonhos desfeitos, por todos os projectos e planos que ficaram por realizar.

Aceitar que tudo mudou e seguir em frente exige uma determinação e coragem épicas. Lidar com tantos sentimentos, muitos deles contraditórios – raiva, negação, culpa, tristeza, saudade – vira a nossa vida de pernas para o ar e quando se misturam é como se tivéssemos caído mesmo no olho do furacão, com ventos de 185 km por hora. 

O fim de uma relação é como um luto que se faz, que leva tempo, que deixa marcas e que faz mossa. Que condiciona tudo o que vem a seguir. Começar de novo é difícil, é algo que pode demorar e não deve ser apressado. É uma conquista que não acontece de um dia para o outro, mas terá de começar algum dia e por algum lado. Então que comece por nós, num olhar para dentro, num trabalho solitário, dorido, mas necessário, para que o fantasma do passado não crie uma sombra sobre o futuro. 

A ansiedade de se estar só pode-nos levar a escolhas não reflectidas, pode atirar-nos para um novo relacionamento antes de estarmos prontos, antes de termos feito a catarse ao relacionamento anterior. Então, antes de escrever sobre o novo relacionamento (parte II), será importante pensar sobre o que estamos a deixar para trás.

Tenhamos a idade que tivermos, um divórcio obriga-nos a crescer, de repente, de forma dolorosa, porque a vida não espera. As tarefas repartidas passam a ser só de um e temos de aprender a ser independentes, a viver sozinhos, a fazer coisas que para o outro eram simples, mas que o não são para nós Aceitar perante todos o novo estatuto, dar ou não dar explicações, responder ou não a perguntas indiscretas, ter vontade de desaparecer…mas continuar. Isto é crescer e é assustador.

Mas crescer é também responsabilizarmo-nos pelo porquê de a relaçãonão ter resultado. É necessário reflectir sobre isto a sério, enquanto ainda lambemos as feridas. Fosse qual fossea tomar a iniciativa de pôr um ponto final, é importante pensarmos sobre o que fizemos e não fizemos e não só sobre o que o outro fez, não fez e deveria ter feito. Será que compreendemos realmente porque é que não deu certo?

A ideia não é de todo reacender mágoas e encontrar culpados ou bodes expiatórios. É necessário parar de alimentar pensamentos destrutivos, culpabilizantes, vitimizadores, que não deixam seguir em frente. E a ideia é mesmo seguir em frente. Pensar sobre isto para aprendermos mais sobre nós e reaprendermos a ser felizes. Não é ficar preso à dúvida, agarrados com unhas e dentes ao questionamento permanente: “”Onde foi que eu errei?”, “Onde foi que eu errei?”, “Onde foi que eu errei?”, “E se eu tivesse feito diferente?”. 

As respostas podem demorar. Podem até nunca chegar. Não se atormente. Aceite que a vida tal como a conhecia mudou, diga basta à raiva, afaste-se da culpa e de todos os sentimentos negativos. E se for necessário lute. Lute até sentir que esgotou todas as hipóteses de recuperar o que já foi perdido.

Faça o luto à relação, às idealizações, às expectativas. Numa relação, o outro não é apenas o outro. O outro divide-se entre o outro real e o outro imaginário. Aquilo que ele é e aquilo que sempre desejámos que fosse. É muito comum que haja discrepâncias entre eles, porquenós idealizamos muito. Idealizamos e internalizamos o outro dentro de nós de acordo com as nossas necessidades, expectativas e percepções. E quando nos separamos, separamo-nos do outro real e a fantasia demora a desaparecer. Crescer também é parar de confundir idealização com realidade.

Não mate o amor. Nem mate o passado. Ao amor deve dar sempre mais uma oportunidade, quando a altura certa chegar. Ao passado deixe-o simplesmente onde ele pertence, no passado. Retire fotografias, objectos, roupas que tragam à memória aquilo que não é tempo para ser lembrado. Faz sentido manter as lembranças longe da vista e longe do coração (claro que quando há filhos deve deixar algumas lembranças do pai nos quartos das crianças). Se ainda existem objectos do outro lá por casa, é porque ainda não sente que consegue fazer este corte. Mas renovar é preciso. Não é tolice quando se aconselha a redecorar a casa, mudar de corte de cabelo, substituir o guarda-roupa, ou algumas peças, ir para o ginásio, fazer coisas novas. Mudar ajuda a partir para uma nova fase da vida, de nos redescobrirmos, de resgatarmos uma identidade pessoal e social muitas vezes perdida, de reconquistar a felicidade.

Quando a separação psicológica acontece, - porque a separação física é apenas uma das etapas e euma separação efectiva requer uma separação psicológica – vai conseguir retirar a importância que colocou no outro, vai conseguir enterrar os mortos, mesmo que eles ainda estejam bem vivos.

E um dia vai conseguir fazer as pazes com o passado, vai deixar de pensar nos anos de vida que perdeu e no que deu de si sem valer a pena. Um dia talvez consiga acarinhar os momentos bons e pensar que se no fim deu errado, em algum momento do caminho deu certo. Como li algures “Se o amor não deu em nada, não se engane, deu amor”. Faça-o por si, para que o rancor, a raiva, os remorsos possam desaparecer. Perdoar é seguir em frente. Perdoar não é esquecer.

Aceitar que nem tudo foi mau não é querer voltar a uma vida que já ficou para trás, que embora conhecida, não foi o que sonhou para si. É seguir em frente, rumar ao desconhecido, começar de novo, com toda a coragem que vai conquistando pelo caminho, sabendo que não quer ser quase feliz ou ser feliz só um pouco, ou às vezes, ou mais ou menos.






domingo, 9 de outubro de 2016

O que é isto da inveja ou será que a galinha da vizinha é mesmo melhor do que a minha?


Sei, à partida, que, ao bordar este tema, vão surgir comentários do tipo: “Deve julgar-se mesmo importante, coitada”, ou “Mas ela pensa que tem alguma coisa que valha a pena ser invejada?” (tal como disse a Sónia Morais Santos há uns dias, parece que as bloggers “têm a mania de medir tudo pela inveja”) – mas a verdade é que esta questão é recorrente e por isso corro o risco e quero mesmo deixar esta reflexão em jeito de crónica.

Começo por confessar que, ao longo da minha da vida tenho sentido algumas vezes o sabor amargo da inveja. Ou porque sempre fui boa aluna, ou porque mais tarde criei a família que muitos consideravam perfeita, ou porque com 4 filhos conseguia conciliar, aparentemente muito bem, a vida pessoal, com a familiar e com a profissional. Mesmo quando tudo mudou e o meu projecto de vida terminou e eu passei um mau bocado, continuei a ouvir falar de invejas. Desta vez é porque achavam que tinha dado a volta à situação e tinha até, imagine-se só, conseguido mais tempo para mim. Até uma querida amiga acabou por me confessar que gostava de estar no meu lugar, que só mesmo se se separasse é que ia conseguir voltar a sentir-se pessoa, para além de mulher e mãe. Também me aconselharam a não falar sobre a minha vida relacional, quando reencontrasse o amor – “Há muita inveja por aí!” – e também associaram os episódios menos positivos que me iam acontecendo ao mau olhado, olho gordo ou mal de invejas. De facto, até o senso comum aconselha: Se estás bem não fales nisso.

E eu como sou do contra, achei que estava já na hora de falar sobre este tema tabu, talvez o grande não dito dos nossos tempos, mas de que todos já mais ou menos provámos o sabor amargo ou já sentimos na pele as ferroadas, bem piores do que as de um lacrau. É provavelmente o sentimento mais mal visto e dos mais antigos da Humanidade – de Caim a Abel, às madrastas más da Branca de Neve e da Gata Borralheira, a Mozart que foi alvo da inveja do compositor italiano Satieri, às obras de Shakspeare, aos filmes, séries ou telenovelas mais actuais, a inveja sempre esteve presente e, se por um lado ela é ocultada, por outro é caracterizada como fazendo parte da vida. A realidade é que a inveja é natural e está presente nas relações humanas, está presente no nosso quotidiano, mesmo quando não conseguimos admitir que lá está.

Porque é que sentimos inveja ou porque somos invejados?

Sentimos inveja porque comparamos e, muitas vezes, quando comparamos invejamos e com a inveja vem o ressentimento e a frustração de não conseguirmos o mesmo, de não sermos assim, de não termos as mesmas coisas. A questão é que só sentimos inveja porque nos falta uma grande dose de amor próprio para nos sentirmos felizes com o que temos e competências para conseguirmos também bons resultados para nós, sem termos de passar por cima de ninguém. O sentimento de inferioridade é um veneno que nos vai corroendo por dentro.

Está patente na vida de todos nós este padrão e o que é preciso é saber como geri-lo – comparações, competições, rivalidades. Podemos até falar em desamor social. Crescemos com a ideia de termos de ser os melhores, que não podemos deixar ninguém passar-nos à frente. A competição é uma característica humana que sempre esteve e vai continuar a estar presente na nossa sociedade.

Nós conhecemo-nos e percebemos do que somos capazes através do outro, através da tal comparação que fazemos. O curioso é que o processo começa por ser de identificação e de admiração. Eu só invejo o que admiro, mesmo que não admita isso, nem sob tortura. Eu admiro, mas em vez de ficar feliz pelo outro e lutar para conseguir também bons resultados, passo a desejar o que o outro tem, o que o outro conseguiu, o que o outro é. E em vez de lutar pelos meus objectivos, diminuo-me, invejo e desejo até que o outro perca o que possui. Pelo caminho ainda troço do que o outro é, humilhando-o, muitas vezes de uma forma indirecta, desvalorizando os seus feitos e até “roubando”as suas ideias.

Esta inveja surge da observação das nossas próprias limitações ou da percepção errada dessas limitações. Muitas vezes parece que não fomos competentes, mas a nossa maior dificuldade foi “simplesmente” a de escolher adequadamente metas, traçarmos objectivos possíveis de alcançar. E em vez de procurarmos olhar para as coisas desta forma, continuamos a desejar o que o outro tem, em vez de mudarmos as nossas percepções, adaptarmos metas e valorizarmos o que já conseguimos atingir, procuramos sobretudo fora de nós, quando o caminho passa por olharmos para dentro. Vive-se focado no que falta e não no que se tem.

A inveja revela muito mais sobre o invejoso do que sobre o invejado. Revela medos, incapacidades, percepções distorcidas. Como mostra a palavra, inveja vem do latim in-evidere, que significa não ver ou ver enviesado. Vemos com uma lente de aumento o que o outro tem e utilizamos a mesma lente para ver o que nos falta. Então, será que a galinha da minha vizinha é mesmo melhor do que a minha? Depende tudo da nossa percepção.

Há quem fale em inveja boa, inveja branca. Temos tanto medo da inveja que quando a sentimos, sentimo-nos obrigados e reforçar que é do bem. Sim, a inveja pode ser boa, mas também há quem diga que se for boa não se pode/deve chamar inveja, tal é a carga negativa que carrega.

Se tomarmos alguém como referência, se tivermos alguém como modelo, se essa pessoa nos motivar, se ao nos compararmos nos sentirmos estimulados a sermos melhores, se nos tornarmos mais criativos… isso só pode ser bom. Nos primórdios da evolução a inveja teve um papel importante. Desejar o que o outro conseguia era um indicativo do quanto era possível conquistar. Se um macaco conseguia dois cachos de bananas e outro conseguia cinco, o primeiro macaco percebia que também ele podia conseguir uma quantidade maior. Isto estimulava a competição, competição esta que ajudou na evolução da espécie.

Daí que possamos dizer que a inveja é um dos sentimentos mais antigos e primitivos. Segundo os psicanalistas, até o bebé sente inveja da mãe porque é dependente dela, porque o alimento provém da mãe e não está sempre ao seu alcance. Pode mesmo recusar o peito como retaliação. O bebé precisa então de tolerar as frustrações para que cresça saudável. E fundamentalmente é o que todos que sentem inveja precisam. Tolerar as suas frustrações, olhar para si mesmo e descobrir potencialidades, recursos, formas de ficar e ser feliz. A inveja tem cura.. E o primeiro passo é assumir-se que se sente inveja. Ao fazê-lo esta perde a força demolidora que tem. Podemos continuar a admirar o outro e as suas capacidades, sem querer que algo de mau lhe aconteça ou que perca o que conseguiu atingir.

Deixamos de sentir inveja quando sentimos gratidão. Gratidão pelo que se conseguiu alcançar, pelo que a vida nos deu, aceitando também que ela não é perfeita. Usufruímos da vida que temos quando deixamos de viver a ilusão de que só seríamos felizes de outra maneira. Então a chave é aceitar, conviver bem com a realidade, em suma, gostar da nossa galinha!

O facto de nos compararmos não tem de ser mau se nós, pais, educadores, adultos em geral, soubermos que uma pressão desmedida e que uma visão destorcida da realidade podem tornar as nossas crianças infelizes e escravos de eternas comparações. Mas tal como referi, a comparação não tem de ser má. Um estudo realizado pela Associação Americana de Psicologia mostra que quem tem a oportunidade de ver alguém a realizar uma tarefa, consegue ter ideias novas, ser mais ousado, mais criativo, mais flexível do que aqueles que não observaram ninguém a praticar as mesmas actividades antes de si próprio. Agora, é importante nunca nos esquecermos que não somos todos iguais. Se há os que se sentem estimulados com a competição, há aqueles que sofrem muito com isso.

Então, tal como a raiva, o medo, a tristeza, a inveja pode ser um sentimento que nos ajuda a viver e a progredir, se em doses moderadas. A solução é aprender a dominar as emoções e viver concentrados no crescimento pessoal, no desenvolvimento da auto-estima e ainda inspirando-nos no que se passa à nossa volta. Se o que cobiçamos nos destrói, o que admiramos constrói-nos.

E o invejado? Há algo que ele possa fazer?
Quem é invejado sente-se vulnerável e essa é a sua fragilidade. Acreditar no poder da inveja, acreditar que a inveja pode prejudicar é colocarmo-nos numa posição de medo, de profecia que se auto-cumpre – vamos estar sempre a pensar que aquela vitória ou aquele acontecimento positivo vai acabar a qualquer momento e acabamos por agir em conformidade. Acreditar que os outros têm tanto poder, limita a nossa vida. E depois, se algo de mau efectivamente ocorre vamos sempre achar que foi por algo que nos fizeram – se atribuímos a nossa felicidade a nós mesmos, então também devemos atribuir os nossos infortúnios aos nossos actos, porque nós somos responsáveis pelo que nos acontece. Cada um é sobretudo responsável por se deixar influenciar por sugestões, opiniões ou sentimentos dos outros. Por mais que nos custe aceitar, nós é que acabamos por alimentar os sentimentos negativos que outras pessoas possam ter em relação a nós. Então a receita continua a mesma – concentre-se no positivo, concentre-se em ser feliz!



Para finalizar, como é que podemos saber se alguém é mesmo nosso amigo ou se no íntimo morre de inveja da nossa vida? Se pensarmos bem, vamos conseguir concluir que não é só nos maus momentos que se vê quem está efectivamente ao nosso lado, quem é verdadeiro, genuíno, amigo. Os verdadeiros amigos são aqueles que vibram com o nosso sucesso, com a nossa felicidade. Aqueles que ficam contentes por nos saberem bem, que ficam felizes por estarmos felizes, que querem para nós simplesmente o melhor.



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