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terça-feira, 6 de novembro de 2012

Avc em bebés e crianças




Há uns anos escrevi-lhe uma carta. E disse que nunca mais falaria sobre isso no blog. Depois dessa carta fui convidada algumas vezes para falar dele, de nós, na televisão. Mas eu nunca quis. Principalmente porque não gosto nada de rótulos e o meu filho é muito mais do que o que lhe aconteceu e o seu problema físico. A identidade dele não é essa.

Mas também é essa. E fingir que não é também não é a solução.

Mas prometi que não falava mais disto aqui, até que recebo dois mails, de duas estórias semelhantes às do meu filho, uma menina que teve um avc 48 horas depois de nascer e outro in útero.
E percebi que há 8 anos foi caso muito, muito raro mas que depois dele já apareceram vários e é preciso falar das coisas. É preciso mostrar às pessoas que não estão sozinhas nas suas lutas. E que cada tem as suas lutas. E que difíceis são de travar.
Acho que foi o meu a-ha moment.

A Maria não está só. E outras Marias não estão sós.
Esta mulher que se tornou mãe há 12 meses. Uma mãe que teve uma gravidez de sonho e que às 36 semanas de gestação levou uma facada no coração, com uma cesariana de urgência e com o diagnóstico de AVC isquémico intra-uterino. Uma mãe que está há 12 meses a aprender a viver um dia de cada vez, a aprender a não viver ansiosa com o futuro e a aprender a festejar cada "pequena" batalha ganha pelo seu pequeno tesouro.
Esta mãe está cansada física e psicologicamente e espera conseguir aguentar sempre este ritmo de fisioterapias, terapias ocupacionais, trabalho, casa, casamento… Este ritmo que eu aguento há 8 anos.

Passa muito tempo a pensar na vida, na sua vida, na sua sorte e revolta-se, revolta-se muito. E não sabe para onde se virar. Sente que não há muitas pessoas que compreendam tudo o que envolve esta dor e esta angústia atroz.

Os amigos são fundamentais, diz, e ajudam-nos muito, mas tentam confortá-los sempre com um "vais ver que vai correr tudo bem..." e isso só não ajuda, não ajuda mesmo nada. O futuro é uma incerteza, ela sabe. Felizmente o pequeno tesouro dela, a sua vida, já se senta - e chegaram a dizer-lhes que podia não se conseguir sentar nunca...
Esta mãe precisa que lhe garantam aquilo que ninguém lhe consegue garantir. E pensa: Será que o seu filho vai conseguir segurar no guiador de uma bicicleta? Será que vai conseguir dar aos braços para nadar? Como vai cortar o bifinho e ajudar a empurrar os baguinhos de arroz para o garfo? Será que vai conseguir falar?... E assim como se de um segredo se tratasse lá me diz que tem muito medo que os meninos venham a gozar com ele e a chamar-lhe coisas... como "deficiente"...



E a estória dela, da Maria, é tão igual à minha estória e tão diferente ao mesmo tempo. 



Meu querido A.,

Queria dizer-te que esta noite dormi muito mal, com muita vontade de chorar.

Faz agora precisamente 5 anos que tiveste o AVC, devido à malfadada artereopatia intracraniana (transitória), nome pomposo que significa que nasceste com uma artéria no cérebro mais estreitinha do que o normal e naquele dia não foi suficiente. E que nunca saberemos porquê.



Foram tempos difíceis, principalmente quando tiveste internado em Santa Maria com um diagnóstico horroroso, que felizmente não se veio a confirmar (aquele que dizia que terias avcs sucessivos - Moyamoya, outro nome complicado, nome de doença que não conhecia). Vários avcs sucessivos que terminariam com a tua morte.



Sabes que sou uma mãe à italiana: dou muitos mimos mas berro muito. Dói-me até hoje saber que me zanguei contigo naquela manhã porque pensei que estavas a fazer ronha para te levantares. Queria tanto voltar atrás.

Estiveram tantas horas para descobrir o que tinhas, horas que teriam sido essenciais. Mas não podemos culpar ninguém, sabes que o teu caso é raro. Não me esqueço que chegaram a perguntar-nos se te tínhamos dado bombons com licor ou se era possível teres ingerido alguma bebida alcoólica.



Foi estranho a nossa vida continuar mas nunca mais vai ser a mesma. Tinhas 3 anos e o mano 7 meses. Foi estranho as pessoas confundirem ter um avc (problema no cérebro) com problema ou doença mental. Sempre sentimos que ficava a malvada dúvida no ar e eu sentia a necessidade (eu queria, eu fazia questão) de dizer que felizmente a tua parte cognitiva estava intacta, que o teu problema, a tua sequela era "apenas" física, que o teu bracinho e mão não funcionavam mais e o mais certo é não funcionarem nunca mais. As pessoas não sabiam o que dizer-nos e invariavelmente saía-lhes um "ele ainda é muito novo e vão ver que ele vai recuperar". Foi estranho perceber que as perguntas sobre ti começaram a rarear (salvo algumas excepções), como se o teu problema se tivesse resolvido. Às vezes apetecia-me dizer-lhes que se tivesses dito um problema no coração e tivesses sido operado, por mais grave que pudesse ter sido, havia essa hipótese de recuperação total. Neste caso não.

Por outro lado gostava que nos estivessem esquecido para também nós nos podermos tentar esquecer.

Levei-te ao meu antigo professor e mais tarde colega Eduardo Sá. Queria ouvir da boca de alguém competente o que se passaria dentro de ti. Eu conseguia chegar a outros mas a ti não. Ser tua mãe não ajudava a tarefa da psicoterapeuta.
Ele deu-nos os parabéns, disse que eras muito feliz. Mas para não esquecermos nunca que tinhas uma "ferida" que iria demorar a cicatrizar. Que na altura em que as crianças pensam que os pais são super-heróis e que as vão salvar de tudo isso não aconteceu. Que estiveste muito perto da morte e olhaste para ela de frente. Mesmo, mesmo de frente.



Nós não somos nada benevolentes nem pais-galinha, nem te mimamos demais. Até somos muito exigentes contigo.


Ficaste com o problema no braço e com dificuldades de concentração, mas também nunca saberemos se foi disso ou não.


Tomas medicação e até ao fim da vida uma carteirinha de aspegic logo de manhã. E fazes fisioterapia até hoje. E vais continuar a fazer.

E tens muito boas notas e adoras desporto. Ganhaste uma medalha de ouro numa prova de corta-mato adaptada.mas não podes jogar ténis, não podes andar de bicicleta sem ser com rodinhas, não consegues cortar o bife e precisas que seja eu a cortar.




Estas são as palavras que nunca te escrevi.
Amo-te de paixão, embora os nossos feitios colidam algumas vezes e que seja preciso uma paciência de Jó para te aturar, o que nem sempre tenho e tu sabes.


Gosto de te saber feliz.
Vivo (vivemos) a vida normalmente, 8 anos depois.

Mas hoje dormi tão mal e sonhei contigo. Tu e eu. Tu nos meus braços.

E de vez em quando vou tendo estes sonhos ou pesadelos. Pronúncio de tantas dores que ainda estão para vir.

Estas são as palavras que nunca lhe disse.

Assim, desta maneira não. Mas sei que ele sabe, sei que sente, espero tanto que sinta, que é isto que eu sinto e lhe quero dizer.



25 comentários:

Sofia Ferreira disse...

Sorry! Estou grávida do segundo e não consigo ler este post... talvez mais tarde!...

Sofia disse...

Oh Sofia, nem sei o que vos dizer. Admiro-vos.

raquel disse...

Um beijo enorme de coração e no coração.
Estou aqui em lágrimas.
<3

Bi disse...

Ai Sofia, que arrepio! Não consigo imaginar...
Um grande beijinho. Enorme! <3<3

Anónimo disse...

De repente fica-se sem palavras... Um texto muito bonito e comovente, acima de tudo porque é verdadeiro.

Inês disse...


Ai... Doí tanto ouvir a tua história! Doí ainda mais não te conhecer, em carne e osso, para te abraçar! Os filhos são seres maravilhosos que quando nascem trazem com eles todas as promessas. Há que os ajudar a concretizar os sonhos deles, guardando para nós as nossas expectativas... mas tu guardas em ti a dor de viver com a dor do teu filho, que não se foi com nenhuma cirurgia, uma dor que ficou!
À laia de comentário do post anterior digo-te que hoje passei o dia num lamento silencioso, porque a minha C. teve a 6ª otite este ano, porque está sempre doente, porque blábláblá… e depois deparo-me com este teu post.
Como fui egoísta durante, pelo menos, o dia de hoje. Eu que conheço a dor, a minha, mas reconheço pouco a dos outros, porque a minha parece sempre maior, gigantesca!
Gosto de te ler! Um beijinho apertado por um abraço.
Inês

http://someotrainbow.blogspot.pt/

Inês disse...


Ai... Doí tanto ouvir a tua história! Doí ainda mais não te conhecer, em carne e osso, para te abraçar! Os filhos são seres maravilhosos que quando nascem trazem com eles todas as promessas. Há que os ajudar a concretizar os sonhos deles, guardando para nós as nossas expectativas... mas tu guardas em ti a dor de viver com a dor do teu filho, que não se foi com nenhuma cirurgia, uma dor que ficou!
À laia de comentário do post anterior digo-te que hoje passei o dia num lamento silencioso, porque a minha C. teve a 6ª otite este ano, porque está sempre doente, porque blábláblá… e depois deparo-me com este teu post.
Como fui egoísta durante, pelo menos, o dia de hoje. Eu que conheço a dor, a minha, mas reconheço pouco a dos outros, porque a minha parece sempre maior, gigantesca!
Gosto de te ler! Um beijinho apertado por um abraço.
Inês

http://someotrainbow.blogspot.pt/

Sofia e Beatriz disse...

Vocês são uma familia muito forte e estruturada!
O A. tem muita sorte com a familia que tem, e sabe que estarão sempre ao seu lado, para o ajudar no que for preciso!
Um beijo enorme em todos ;)

Unknown disse...

Sou a "Maria"... não me vou esconder... não me posso esconder.
Obrigada por todas as palavras Sofia. Do fundo do coração.

Isa disse...

Não sei o que é passar por algo tão doloroso, e espero, como qualquer mãe/pai, não vir a saber... Mas conheço vários casos fruto da minha actividade profissional. A revolta é normal. Não é justo que estas coisas aconteçam, não é. Mas a forma como a maioria dos pais encara a situação, luta e tenta dar a melhor qualidade de vida possível aos seus filhos, tentando a todo o custo manter-se fortes e positivos é incrivel. São pessoas corajosas, à força, mas muito muito corajosas e que eu admiro muitisssimo...

Unknown disse...

Ao ler palavras assim sinto-me pequenita...!!!

Bolas, que deve ter sido, deve ser e vai ser dose!!! Mas é bem verdade que so temos obstaculos consoante a nossa força e pelas palavras força nao te/vos falta!!!

Parabens pela força! Obrigada pelo exemplo e pelo Amor!

Um beijinho nosso, ja estao na barra dos favoritos! ;)

Mafaldix disse...

Nem sei o que dizer... Vamos buscar forças onde elas não existem e que fazemos tudo pelos nossos filhos. Também sou uma mãe à italiana, tenho um filho quase a fazer 3 anos e outro a caminho e só peço a Deus e a todos os Santos para os proteger. Um beijinho desta mãe.

Palmier Encoberto disse...

Percebo-te tão bem... em circunstâncias muito diferentes, é certo, mas com muitas limitações no dia-a-dia... também eu tenho o texto pronto... mas não sai... talvez um dia... :)

TERRA DE CORES disse...

Está a fazer um ano que nos conhecemos... e desde aí e que, aos poucos, fomos sabendo das histórias uma da outra... e tb desde aí q te digo tantas vezes que tens uma família maravilhosa! E que és uma lutadora!

Não tendo palavras (pq nestas alturas, as realmente certas, que gostaria de dizer, não saem), só te deixo umas palavras do Fernando Pessoas, que tu de certeza conheces, mas que continuo a gostar de ler e descreve mto do que tb é a nossa/vossa vida!

"Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que a minha vida é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá à falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um "não".
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta...

Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo."

Assim, TU ÉS FELIZ!
E Parabéns por seres assim, pela tua família e, em especial, pelo teu A.

Bjos gr e hoje tb vai um abraço apertadinho! <3

Dolce Far Niente disse...

Um grande, enorme beijinho.

Alexa ML disse...

Obrigada por mais uma fantástica partilha, daquelas que faz pensar, e muito.
Beijinho**

Lilian disse...

Querida Sofia, sempre que te leio sobre este assunto, uma mão de gelo aperta-me o coração, tal como naquele dia de Dezembro em que eu soube desta notícia. E que me senti tão frágil para a vida,como mãe, como colega, como amiga.
Rezo para que Deus te continue a dar a força que tens, a ti e ao Afonso.

mae.feliz disse...

Queria Sofia,
Não fazia ideia! Acabei de ler o seu post e as lágrimas teimam em cair...já a achava uma mãe linda e maravilhosa mas agora acho que é mais do que isso, acho mesmo que é uma super-mãe com direito a capa esvoaçante!!
Vou lhe confessar que acho os seus filhos todos amorosos e lindos mas sem saber porquê, sempre tive um fraquinho especial pelo seu A...sempre o achei lindo e meigo e cheio de pinta...agora para além disso acho que é também um guerreiro!!!
Gosto de si! Se precisar de um ombro estarei sempre aqui!
Beijo no seu coração de mãe!
Sara

Mary QA disse...

Sem palavras, e sem saber o que dizer.
Grande beijinho.

sandra disse...

Fiquei muda e queda... Ah, e chorosa... bolas, bolas, bolas.
Um beijo grande
Shanna e Cª

bebexik disse...

Um Beijo ENORME ....


Sei na pele o que é sentir isso...e essa incerteza do futuro ...o que é que vai vir....depois de tudo isto que ja passamos....o medo do futuro é mau muito mau.....


beijinhos
Raquel

sofia disse...

Querida Sofia
não fazia ideia...
Acabei de ler com as lágrimas a cair
Não é justo, nunca é justo que as crianças sofram
E como deve ter sido e ser horrivel e angustiante
E para a "Maria"
Sinto-me pequenina perante vós e desejo-vos tudo de bom (enquanto olho para dentro e rezo também por nós)
Beijinhos

Andreia disse...

Oh Sofia, já conhecia a vossa história, mas não consegui evitar as lágrimas. Nem imagino, pelo que passaram, nem vocês, nem a família da Maria. Ao ler as vossas histórias, senti-me pequenina, mas com uma enorme admiração por ti.
Beijinhos

4D disse...

Obrigada a todas. Eu que sou cheia de palavras fico sem saber o que dizer perante os vossos comentários.

Um beijinho verdadeiro em cada uma.

Anónimo disse...

Olá meu nome é Paula Meneghetti e entendo bem o que vc passou com seu filho, pois meu filho ao nascer também sofreu um AVC isquêmico, e por causa da falta de pessoas especializadas a descoberta do AVC demora 4 dias. O diagnostico foi que meu filho não andaria, não falaria, e que talvez ficasse paralisado. Meu filho foi acompanhado durante 3 anos, com fisioterapias, anticonvulsionantes, fono, e exames de ressonância, tomo e outros. Hoje ele tem 5 anos e graças a Deus ele não ficou com sequela nenhuma, mas no ínicio foram anos angustiantes e por isso encontrei uma outra mãe Sandra Avalos, que tem uma filha que tb sofreu AVC e nos unimos e fizemos uma pagina no facebook chamada "AVC em crianças, casos raros, mas reais" e lá temos juntando muitas histórias de crianças que sofreram um AVC, ou seja não é tal raro assim. Já fizemos até um encontro com as mães, foi muito interessante, se quiser visitar a página fique a vontade, pois abrimos pelo proposito de compartilharmos experiências e alertar os pais quanto a isso. Um forte abraço.Caso queria entrar em contato meu e-mail é aluapmaria1@yahoo.com.br

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