O título pode ainda não vos dizer grande coisa, mas tenho a certeza de que muitas mães se vão identificar bastante com o que vão ler. Bom, não precisam de ser mães…podem ser educadoras de infância, professoras, tias, madrinhas, irmãs, avós, amigas… À partida, se houver uma criança metida na equação, nomeadamente uma criança entre os 3 e os 12 anos, vão saber bem do que falo.
De facto, há uma empresa alemã sediada em Portugal, um supermercado (mais vale dizer logo que é o Lidl, porque todos sabem que é a essa grande superfície que me estou a referir – e é bom que saibam também que esta publicidade gratuita deveria fazer-me render muitos, muitos pontos), que conseguiu a proeza de durante dois meses e pouco pôr toda a gente a falar de frutas e vegetais, peluches, pontos, cadernetas, cartas… e em total desespero mães e pais (não, não podem dizer que sou só eu que não acredito).
Se houver alguém por aí que tenha estado hibernado ou meio adormecido, eu explico. O Lidl criou a campanha Gang dos Frescos, cheia de peluches super fofinhos, todos vitaminados. Mas é uma promoção? Sim….não? Segundo a Wikipédia, a nossa melhor amiga, promoção “é qualquer ato que venha a elevar o status de um produto, individuo, situação, empresa, etc. (…) é um ramo direto da publicidade, do marketing, de relações públicas…”. Ok, o Lidl criou uma promoção que foi um excelente golpe publicitário e lhe rendeu uns belos euros a mais – e é assim que os alemães combatem a crise.
Mas oferecem alguma coisa, perguntam vocês? – sim, é que nas nossas cabeças numa promoção ganhamos qualquer coisa, temos direito a um desconto ou até se levam dois produtos pelo preço de um… Mas, neste caso, não acontece nada disso…Então, o que acontece? Eu ajudo.
Por cada dez euros em compras recebe-se 1 ponto (e 4 cartas para coleccionar). Ao fim de 6 pontos, ou seja, de 60 euros gastos, pode-se ficar com um boneco com a forma de fruta ou vegetal. Mas isso é porreiro pá!, diz alguém que andou mesmo hibernado. Pois…sim….esqueci-me de dizer que ainda temos de pagar 9.99 para ficar com o peluche e fazer a nossa criança feliz. Ou então gastamos 120 euros em compras (12 pontos) e desembolsarmos “apenas” 2 euros e 99 cêntimos (sempre adorei a magia dos preços a acabarem em 99 cêntimos) para levarmos connosco um dos presentes mais desejados dos últimos tempos. Mas então, nunca é de graça? Deixem-me pensar…ahhhhhh, não. E pode-se chegar lá e simplesmente comprar o peluche e ficarmos livres do choro histérico dos nossos amores mais pequeninos? “Eu quero o mirtiloooooo, eu quero a laranjaaaaaaaaaaaaaaa”… (choram por oito bonecos diferentes). Não, também não se pode chegar e comprar e acabar logo com o suplício. Tem sempre de se fazer, pelo menos, 60 euros em compras primeiro. Começam a acompanhar o meu raciocínio?
Se isto ao menos fizesse os nossos bem-amados filhos terem mais vontade de comer tomates, ervilhas, cogumelos e laranjas seria uma boa estratégia. Qual quê? Eles não são assim tão fáceis de enganar. Querem os peluches e é já. Ou é só, se calhar. Supostamente há um fundo humanitário e proactivo importantíssimo nesta campanha. É didáctica. Até há uma caderneta que adverte sobre os bons e maus hábitos alimentares… que, já agora, também tem de se pagar. Mas o tempo que deveríamos gastar a explicar-lhes que o sal faz mal ao coração; que os vegetais não devem faltar nem no almoço, nem no jantar; que o peixe é melhor do que a carne; que os mirtilos curam doenças da boca pelo seu poder desinfectante e anti-inflamatório; que o tomate tem muita vitamina C, que previne a artrite e a aterosclerose…é o tempo que temos para os consolar e explicar que é impossível terem os peluches todos, que isso implicaria ir todas as semanas, pelo menos uma vez, ao outro lado da cidade e deixar por lá todo o dinheiro da carteira, dos bolsos e dos cartões de crédito e sem ser de crédito.
É que ainda por cima nem sequer temos uns 6 meses para gerirmos a crise. Começou no dia 1 de Setembro e termina já a 8 de Novembro. E por mim falo, já estou com palpitações só de pensar que só vou conseguir dar-lhes três peluches, no máximo. As minhas alunas até já me avisaram para eu não me preocupar – “Sem stress Professora, eles estão à venda no Olx e no ebay!”. Grande Lidl. E o burro sou eu?, como diria o outro.
Este assunto é sério, acreditem. Este último mês não tem sido fácil. Parece que no ano passado também houve esta campanha, mas consegui sair ilesa. Desta vez não tive como escapar – malditas escolas onde se aprende o que não se deve.
Tendo tomado conhecimento dos factos este ano, os artistas cá de casa começaram logo a pedir e a pedir e a pedir. E o pedir é como o coçar, o difícil é começar. E eu pensei cá para mim “um só não vai fazer mal” e arranjei-lhes o tomate. Três a disputar o tomate, my God! Tenho de arranjar pelo menos mais um, decidi de imediato. Pelo menos não se matam. Alguma vez na vida eu pensei passar por isto? Ver os meus filhos a degladiarem-se por causa de um tomate? Então veio o cogumelo, bem engraçado, por sinal, que acalmou os ânimos, mas por muito pouco tempo. “A Teresa tem o mirtilo e a Constança a ervilha e ninguém tem a laranja, sabias?”. E todos os dias quando os acordava, a primeira coisa que o Vicente me dizia, antes mesmo de um alegre “mamã, bom dia!”, era “é hoje que vais buscar a laranja?”. E quando os ia buscar ao colégio, não parava de perguntar “Já tens a laranja? Vamos agora comprar?” Socorooooooo. E como a mãe é muito pouco esperta – assumo-o aqui perante tantos leitores – em vez de ficar caladinha, como uma boa menina, e ir dizendo apenas “sim, sim, pois, pois…qualquer dia”, lembrou-se de comentar “ai sim, mas a maçã não é muito mais gira?”. Resultado: passaram a querer a laranja, como até aí, mas agora também, pelo menos, a maçã. “Mas se conseguires, por favorrrrr, traz também o Mirtilo e já não pedimos mais nada”, até daqui a pouco, claro. Boa Sofia, muito bem, bom trabalho! As mães são mesmo tontas, até eu me espanto. E lá fui eu telefonar para a minha mãe “Arranja-me os pontos aí do Alentejo, preciso tanto”.
Aqui em casa não se fala de outra coisa, não se pensa noutra coisa e, até diria mais, não se sonha com outra coisa. Querem ver? Vou-vos dar dois exemplos que explicam o estado em que os meus ricos filhos andam. O Manuel fala a dormir. Não se levanta da cama, não faz coisas estranhas, mas fala que se farta. Uma destas noites, ainda estava eu acordada, oiço-o a falar e ainda apanho o fim do que aparentava ser um diálogo “Queres o tomate? Ai queres o tomate? Agora não te dou!”. Sim, ao menos com ele sabemos o que o anda a preocupar. Já o ouvi falar de bulhas, já gritou que não queria jantar. Isto só me confirmou os meus piores receios. Esta campanha está tão bem feita que consegue chegar aos sonhos dos nossos filhos, tomando a forma de pesadelo. Perigosíssimo!
Duas noites depois tirei a prova dos nove…da pior maneira possível. Tenho a certeza que agora vão ficar mesmo do meu lado. A Concha passou a noite neste fado “O meu tomateeeeee, perdi o meu tomateeeee” e eu passei a noite a levantar-me e ir à procura do raio do tomate dela, no escuro. Devolvia-lhe o tomate, voltava para a cama tropegamente, para uma hora depois ouvir de novo a mesma ladainha “Não sei do meu tomateee, mãeeeeeeeeee”. Às tantas peguei-lhe bruscamente, gentilmente e levei-a para a minha cama. Dormimos o resto da noite descansadinhas, abraçadas ao tomate.
Tenho ou não tenho razões para andar cansada, com os nervos em franja e num frangalho? Se ao menos uma vez, uma vez somente, eu lhes pudesse dizer “vai chatear a tua mãe!”, mas não posso. A mãe sou eu!!!!
Por acaso não se arranjam por aí alguns pontinhos?