Depois de ter escrito este post (e mais este, já agora), nunca mais se falou de sexo
por aqui. Hoje é o dia.
Na última vez em que se abordou este tema,
uma pergunta ficou no ar:
Se há amor, forçosamente há desejo?
Começo por vos apresentar Esther Perel,
terapeuta de casal e autora do bestseller Sexo no Cativeiro, que centra o seu
estudo na psicologia por trás do sexo.
Esta reflexão surge precisamente a partir
de leituras e visualizações que fiz de textos e vídeos desta autora.
No ideal romântico que temos hoje em dia
sobre as relações a dois, queremos que uma só pessoa preencha todas as nossas
necessidades,que seja um tapa buracos para resolver situações para as quais
noutros tempos seria preciso "toda uma aldeia”.
A terapeuta faz-nos pensar sobre o
paradoxo em que vivemos - amor e desejo. A luta entre a necessidade que temos
de segurança, de laços duradouros, de previsibilidade, de estabilidade, de
dependência, de permanência...as âncoras que precisamos, que desejamos, que
queremos ter na nossa vida e o risco, a aventura, a audácia, o mistério, a
novidade, o desconhecido...a viagem que também ansiamos ter a possibilidade de
experimentar.
Como conciliar duas forças tão
poderosamente opostas? Duas forças que muitas vezes se repelem. Soa a uma
aparente contradição.
Queremos do outro a estabilidade, a
segurança, a previsibilidade, o "poder contar com"...no fundo uma
identidade, algo a que podemos chamar de "lar"... mas também queremos
o desconhecido, o abismo, a loucura. Queremos que o outro seja o nosso melhor
amigo, o confidente e simultaneamente o amante apaixonado, o fulano ou fulana
da one night stand. Será possível? Será viável?
As pessoas sentem-se mais atraídas pelo
parceiro quando ele não está, quando sabe que não o podem ter, quando a
imaginação é usada mais frequentemente, quando se anseia pelo reencontro e se
espera. Sim, a espera e a antecipação activam o desejo. E o uso da imaginação é
a força mais poderosa de todas. É o que nos distingue dos animais. Os animais
têm sexo, nós temos uma vida erótica, sexual. Porque usamos a imaginação.
Também há mais desejo quando vemos o outro "no seu melhor", ou seja,
mais confiante, independente, a brilhar com uma luz própria. Isso acende
também, sem dúvida, a chama, põe a trabalhar a engrenagem do erotismo.
Temos de manter então uma distância do
outro, para que se olhe para ele de longe e se veja um outro menos familiar,
mais misterioso, mais esquivo, que não é um dado adquirido. Então, mesmo nas
relações a longo prazo é preciso dar espaço, o espaço individual que é
necessário para que o desejo se reacenda uma e outra e outra e outra vez. Há
que olhar com novos olhos para a pessoa de sempre.
No desejo não estamos dependentes do
outro, não precisamos dele, não temos de cuidar de ninguém.
O fazer sair cá para fora o nosso pai ou
mãe interiores é algo muito importante no amor, mas muito arriscado para o
desejo. Desejamos quem nos quer, mas não quem precisa de nós. No amor temos um
desejo secreto que o outro precise de nós, mas no desejo aspiramos ter alguém
completamente auto-suficiente. É aquela coisa do empoderamento, ou do empowerment,
que nos dá a volta à cabeça.
O desejo está associado à novidade.
Curiosamente isto pode ser mal interpretado. Podemos achar que essa novidade só
é encontrada numa relação extra-conjugal. Não, não precisamos disso para
encontrar a novidade, nem a novidade tem a ver com uma série de novas técnicas
ou novas posições sexuais. A novidade tem muito mais a ver connosco do que com o outro,
com fazer surgir novas partes de nós mesmos, no encontro com o outro, com novas
coisas que queremos expressar. Temos de olhar para nós, mais do que olhar para
o outro e pensarmos e questionarmo-nos sobre aquilo que nos faz perder o desejo
ou, pelo contrário, conectarmo-nos com esse desejo. É estarmos connosco
próprios, na presença do outro. É estarmos no nosso corpo, dentro da nossa
cabeça e não continuamente no corpo e na cabeça do outro. O desejo é mais
egoísta e isso não tem de ser mau.
Para vivermos o desejo tempos de estar
seguros. A ansiedade, o medo do julgamento do outro, de não correspondermos às
expectativas, o medo de perder o outro, faz-nos ser incapazes de brincarmos, de
usarmos a imaginação, de explorarmos.
É importantíssimo percebermos que a paixão
funciona por fases, aumenta e diminui, como a lua. E tem de ser trabalhada para
ser trazida de volta. O mito da espontaneidade também é perigoso, como se o
desejo devesse simplesmente cair-nos em cima quando estamos, por exemplo, a
estender a roupa lavada ou a lavar a loiça do jantar.
E temos de estar seguros de que o desejo e
o erotismo são de uma ordem diferente e que isso é mesmo assim, é natural. É no
fundo ter a capacidade de ali, naquele espaço, nos afastarmos da
responsabilidades e entrarmos num outro universo. Basicamente poderíamos dizer
que aquilo que nos excita à noite é aquilo que condenamos durante o dia. A
mente erótica não é politicamente correcta, and it's just fine.