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domingo, 27 de novembro de 2016

A difícil arte de começar de novo – parte III


Na parte I falei sobre o divórcio e sobre a necessidade de deixar o passado bem resolvido para se poder seguir em frente. Na parte II dei algumas dicas de como se deve viver a nova relação. A parte III dedico-a à questão: e quando há filhos?


Obviamente que é muito importante que os filhos aceitem o novo relacionamento da mãe (ou do pai), mas não podem ser eles a ditar as regras ou ter a última palavra sobre esta tão grande decisão.

Se não entramos numa nova relação por causa dos filhos, ou até se terminarmos a relação por causa deles, porque não aceitam, porque não querem, porque boicotam, ou porque temos medo que tudo isto os afecte, vamos mais cedo ou mais tarde responsabilizá-los por essa escolha, geradora de infelicidade.

Portanto, antes de achar que tem de optar pelos filhos em detrimento de um novo amor, porque os filhos estão primeiro do que tudo, porque já sofreram muito e não merecem sofrer mais… pare, respire e pense. Os filhos vão acabar por aceitar. Dê-lhes tempo, siga alguns conselhos que aqui vou deixar e, sobretudo, não desista. E também não sinta culpa. A verdade é que não está a fazer nada de errado.

É natural que os filhos tenham medo. Depois de tudo o que falámos, consegue dizer que também não tem? Tem, claro que tem. E, no entanto, é adulta e racionaliza as coisas de forma diferente de uma criança ou de um jovem. Os mais novos não têm a facilidade de um adulto de verbalizar o que sentem, até porque alguns sentimentos são inconscientes, logo, impossíveis de serem pensados.

Não vamos dourar a pílula. Não é fácil, não é tarefa simples…ou pode não ser. Mas é um processo natural e é compreensível e mesmo imprescindível que haja muito empenho da parte de todos, especialmente dos adultos envolvidos.

Por exemplo, os filhos, principalmente os mais novos, podem sentir medo de serem substituídos no coração da mãe ou do pai. Sentem medo de perder o seu amor. É extremamente importante que os pais expliquem aos filhos que o que sentem por eles não vai mudar, nem vai diminuir ou passar para outra pessoa. O amor divide-se entre todos, ou multiplica-se. É elástico. É como um polvo cheio de tentáculos. Ou uma mãe com muitos braços.

Nesta fase, os filhos precisam mais ainda de atenção. Por isso, terá de se desdobrar, dedicando-lhes tempo em exclusivo…e o mesmo acontece com a nova relação. É cansativo, é complicado e é difícil…mas tudo se consegue quando se faz com o coração.

Também é importante que a introdução do novo elemento seja feita de forma gradual. No início os filhos não devem ser envolvidos. Deixe passar algum tempo, deixe que haja mais certezas e que tudo se torne mais sólido. Aí será a hora de agir. De forma tranquila e em pequenas doses. 

Os primeiros contactos não devem acontecer em casa, mas sim em espaços neutros. De preferência organizando actividades que sejam divertidas para as crianças. Antes de tornar tudo oficial, procure pensar e organizar programas que sejam estimulantes e cheios de boa disposição. Isso ajudará mais do que pensa, porque as crianças começam a gostar daquela pessoa, a gostar da companhia dela, sem o peso de ser o namorado/a da mãe ou do pai.

Então estará na hora de contar e não se admire se, a princípio, e mesmo com pezinhos de lã, for ainda tudo um pouco confuso na cabeça deles. Vai levar algum tempo para que todos se adaptem à nova situação.

Quando contar aos filhos, ouça-os. Nessa altura e sempre. Ouça-os atentamente, coloque-se no lugar deles, seja compreensiva e respeitosa. Os filhos não vão decidir o futuro dos pais, mas é mesmo muito importante que se sintam escutados. Pedir aprovação ou conselhos poderá ser tentador e, num primeiro impacto, pode até parecer reconfortante para as crianças, mas pense que está a passar para eles uma responsabilidade que não devem ter e para a qual não estão preparados. Portanto, ouça-os, faça-os sentir especiais, por serem escutados, mas as decisões e as escolhas são sempre suas, não deles.

O novo elemento também terá de se empenhar e trabalhar para que os laços se construam, para que a relação com as crianças funcione e também para que a relação entre o casal se torne segura, sabendo que há um terceiro elemento, sempre presente, mesmo quando não está, que são os filhos. É preciso jogar entre proximidades e distâncias, essencialmente usando o bom senso. E a paciência. Esta tem de ser uma das peças chave.

Lembre-se que também para a outra pessoa não será fácil. Também terá medos, também não conseguirá adivinhar como a criança irá reagir, o que irá sentir, se a aceitará.

Queremos que corra bem, mesmo muito bem. E pode, de facto, correr muito bem, melhor ainda do que o esperado. Mas não alimente o desejo de que para o seu filho ou filha, o seu namorado seja um pai daqueles instantâneos, como se saísse na farinha Amparo. Mais ainda se os seus filhos já tiverem um pai. Aqui para nós, também não ia querer que a namorada do seu ex. fosse vista pelos seus filhos como uma mãe, pois não? Mãe há só uma. Mas o novo elemento pode ser uma pessoa importante na vida deles e vai com certeza reconfortá-la saber que ela os trata bem e que gosta deles de verdade. Terá é de saber gerir os ciúmes e aceitar a realidade. Mais uma vez a mesma ideia: ninguém vem substituir ninguém. Vem somar afectos, não diminuir. Se houver amor, carinho, respeito pelos limites, há espaço para todos. Porque relações saudáveis e pessoas que nos querem bem, nunca são demais.

Se o seu namorado também tiver filhos, nunca, mas nunca deve entrar em comparações sobre os rebentos de um e do outro. Nunca deve criticar os filhos dele ou a forma como ele os educa, ou até como a ex. dele, a mãe dos filhos, os educa. É um terreno de areias movediças. Muito cuidado!

E por falar em exs., é bom que todos os exs. (sim, todos) respeitem as novas relações. Quando ainda se gosta sente-se ciúmes. Quando já não se gosta continuam a sentir-se alguns ciúmes. E por vezes por despeito ou só porque sim, dizem-se coisas em frente aos filhos, que nunca se diriam, se a razão não andasse completamente toldada.

De facto, é uma fase da vida em que esquecemos a sensatez, disparamos para todos os lados, atropelamos os dias e quase parecemos bonecos desarticulados. Mas Roma e Pavia não se fizeram num dia e a adaptação a novas reconfigurações familiares também não. E dão trabalho. Oh se dão! Mas as coisas são mesmo assim, há uma certa fatalidade nisso. No entanto, também acredito, e isso é mesmo bonito, que no fim somos nós que escolhemos, somos nós que decidimos se continuamos ou atiramos a toalha ao chão. Somos nós que decidimos se depois de toda a tormenta e dos invernos da vida, estamos novamente prontas para a bonança e para os dias soalheiros de verão.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

A difícil arte de começar de novo – parte II



Depois de uma separação, de um divórcio, ou de uma crise de vida, passamos por momentos tumultuosos e desgastantes, até sentirmos que estamos prontos para começar de novo. Há quem tenha a certeza de que nunca mais vai querer passar pelo mesmo outra vez, começar do zero, ou voltar a amar. Há quem confesse ter medo de ficar sozinho ou que mais ninguém se interesse por si, ou ache que vai ser muito complicado por causa dos filhos, ou tudo junto… – e a verdade é que se não é a vida a boicotar-nos, somos mestres em fazê-lo a nós mesmos. 

É normal haver medos e dúvidas, mas são tantas as questões que surgem, que ficamos exaustos só de pensar no que vem pela frente. “O que é que os outros vão dizer?”, “Será cedo demais?”, “Como é que as crianças vão reagir?”, “Estarei apaixonada ou apenas carente?”, “E se correr mal?”… É normal colocarmos questões, é normal ter dúvidas, é adaptativo o medo do desconhecido, do re-começo. Torna-se desadaptativo se nos congela, bloqueia, paralisa e não nos permite seguir em frente.

Um grupo de especialistas criou uma fórmula que aponta mais ou menos para o tempo certo para re-começar. Dizem eles que é um mês de espera por cada ano da relação que terminou. Ou seja, 5 anos de relação equivalem a pelo menos 5 meses de espera até estar pronto para começar de novo. Esta é, pelos vistos, uma fórmula matemática, mas não será de certeza uma fórmula mágica que resulta para todos. De qualquer modo é interessante pensarmos nisto.

Quando sentimos que podemos re-começar, que a vida nos está a dar - e nós próprios nos estamos a dar - uma oportunidade de voltarmos a ser felizes é quando deixamos de estar demasiado presos a lembranças, dúvidas, ressentimentos…ou devia ser. Por isso, e tal como foi referido na parte I, é preciso dar tempo, para que o passado fique no passado, para que o perdão aconteça, para que nos encontremos e nos sintamos realmente bem connosco próprios, sem precisarmos de mais ninguém. Estamos prontos para ter outra pessoa na nossa vida quando não precisarmos dela. Faz sentido?

O medo do vazio, do silêncio, da solidão, torna-nos frágeis e mais dependentes. Quando nos fortalecemos e nos tornamos mais autónomos e mais seguros, aí sim, estamos prontos. Embora a vida toda tenhamos ouvido que “a dor da perda de um grande amor se cura com outro grande amor”, temos de perceber e aceitar que não é um novo amor que nos vem salvar de nós mesmos, não é um novo amor que nos vem completar. Quando ele chegar já temos de nos ter salvo. Somos nós os nossos próprios bombeiros. Os nossos apaga fogos. Os nossos salva vidas.

E para isso é preciso trabalhar, trabalhar, trabalhar. Trabalhar a tolerância à frustração, a tolerância à mudança, a capacidade de adaptação a novas situações; trabalhar para estabelecer expectativas mais realistas, para mudar comportamentos e atitudes. Em suma, trabalhar o nosso novo Eu.

Saber o que se quer, o que não se quer, o que se idealiza e ter o passado resolvido são passos essenciais para não repetir o mesmo guião no novo relacionamento. De facto, saber o que realmente queremos, o que nos faz felizes; saber também o que precisamos mudar em nós para podermos viver uma nova relação com futuro; sentirmo-nos preparados para aceitar alguém real, diferente das nossas expectativas e idealizações, diferente do que somos e do que o outro era; aceitarmos que quem vem é um ser humano também com alguns defeitos; aceitar que é impossível mudar seja quem for a não ser nós mesmos; não desejarmos substituir ninguém; não entrarmos em comparações e cobranças; não termos medo de mudar, mesmo que seja doloroso,tudo isso são tarefas-chave desta nova fase da vida.

Nós funcionamos inevitavelmente por substituição. É comum que o novo amor seja alguém com características, físicas e/ou comportamentais semelhantes àquele que se foi. Seleccionamos alguém que pareça corresponder às nossas idealizações, sobretudo quando o outro imaginário continua presente. Temos tendência a comparar, cobrar e exigir que quem chega supere e cure todas as feridas e, assim, mais uma vez podemos correr o risco de não estar a ver a pessoa real, mas a que imaginámos, a que só existe na nossa cabeça. E podemos correr o risco de repetir os erros que cometemos no relacionamento anterior. É muito importante confrontarmo-nos com isto para que aceitemos que a pessoa que vem não tem de ser mais ninguém a não ser ela própria. Não há pessoas iguais, somos todos diferentes. E se não há pessoas iguais e esta nova pessoa é única, não a podemos amar da mesma maneira que amámos o nosso antigo amor. Temos de encontrar novas formas de amar, novas formas de nos relacionarmos e procurarmos não trazer demasiada bagagem para o presente. Por mais compreensivo que o outro seja pode sofrer, ressentir-se e até saturar-se. 

Reinventar-se é a solução. Repensar a própria identidade. Criar uma nova pele. Reconstruir-se. Mas não podemos esquecer que existem forças psíquicas que vão procurar fazer com que tudo permaneça na mesma. Porque mudar dói. Queima como ferro em brasa. Mesmo quando mudamos para melhor. 

Seja um amor definitivo ou um amor de transição – sim, aceite também que pode não ser o amor da sua vida e não há mal nenhum nisso – permita-se vivê-lo como uma nova oportunidade e com muita intensidade. Por isso aproveite, aproveite muito. Começar de novo tem coisas tão boas! Ainda se lembra do que é sentir um friozinho na barriga ou borboletas no estômago?



E depois de passarmos as passas do algarve não merecemos alguma paz, com agitação positiva? Agora sabe o que quer, mas também sabe que não vale a pena aborrecer-se por coisas que não merecem, que nem passam muitas vezes de ninharias. Saiba escolher as suas batalhas, aceite que nenhum relacionamento é perfeito e prefira ser feliz a ter sempre razão.



Espero que tenham gostado. Na parte III falaremos da nova relação e no envolvimento dos e com os filhos.





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